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Análise | Os 22 anos de “Trainspotting”

A palavra trainspotting é uma gíria escocesa que significa algo sem sentido, uma atividade que é uma total perda de tempo.

Há 22 anos, o mundo foi apresentado mais uma vez aos excêntricos jovens escoceses de Edimburgo. Homônimo ao livro, lançado em 1993, o autor Irvine Welsh retrata em “Trainspotting” os anos noventa, a juventude no Reino Unido e suas particularidades. Sob a direção de Danny Boyle, a ascendência do techno, da cultura clubber e obviamente o uso de drogas refletem as escolhas (e a ausência delas) de jovens que não veem sentido na forma como a vida é ditada e desejada a eles. Tudo pelo olhar de Renton.

O protagonista vivido por Ewan McGregor é também o narrador da história. Usuário viciado em heroína, Mark Renton começa a narrativa já se questionando pelos seus atos, o que o mantém de pé e decide largar a droga, entrando num processo de desintoxicação e reabilitação. Daí a história segue. A intensidade das cenas que mostram a realidade dele e a dos amigos impacta o espectador tanto nas escatologias quanto nas dores repassadas e vividas pelos jovens. Inclusive, na época de seu lançamento, o filme foi bem criticado por algumas frentes políticas por dizer conter apologia ao consumo de entorpecentes.

De certa forma, mesmo que não haja semelhanças diretas, é possível a identificação com os personagens, especialmente com Renton. Sua insatisfação, desprezo e deboche pela rotina justifica não só seus hábitos, mas também os de Sick Boy (Jonny Lee Miller), Spud (Ewen Bremner), Tommy (Kevin McKidd), Begbie (Robert Carlyle) e Diane (Kelly Macdonald). Num mundo em que as oportunidades aparecem somente a quem segue um padrão estético, ideológico e não questionador, a crítica ao sistema capitalista se apresenta na monotonia incessante dos ternos, gravatas e entrevistas de emprego. Como a história gira basicamente ao seu redor, Rents nos mostra todas as alternativas que ele vê como possibilidade: o que seria sua diversão, que se apresenta tão monótona quanto a vida de emprego/casa/casa/emprego que ele tenta seguir, o flerte com a ilegalidade mesmo sabendo das consequências e a inércia.

O tom irônico, tragicômico da narrativa e sua trilha sonora, característica dos anos noventa com seus “bate estaca” e new wave, parece às vezes mascarar o quão frustrante e desgastante tudo aquilo é. A linha, digamos, amena que a história leva ao longo do filme escancara a intensidade com que a heroína se mantém por perto de Renton, mesmo na tentativa exaustiva de se distanciar dela. Essa cena, enquanto seus pais o trancam no quarto na esperança de o desintoxicar, mostra bem uma pegada que o filme quer fazer chocar e assim, o faz. Todas as suas atitudes, fraquejos e reflexos o encaram.

“Trainspotting” segue, apesar de uma maneira diferente e própria, uma linha crítica, chocante e questionadora de alguns filmes da mesma década. “Réquiem Para Um Sonho”, “Clube da Luta” e até mesmo (por que não?) “Matrix”. Em todas essas películas, de uma certa forma, encontramos um protagonista numa realidade entediante que, que ao querer questionar ou sair daquilo, se vê em algo muito maior que somente a vontade deles não é suficiente para mudar as coisas. Pertinente e ainda atual, “Trainspotting” poderia facilmente se passar em 2018, já que as dúvidas, dificuldades e expectativas em cima da cabeça do jovem dificilmente deixarão de existir, pelo menos por agora.

As consequências são duras e constantes, mas você pode querer escolher o que ser e como ser, mesmo que se arrependa. Choose life.

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Escrita por Bernardo Mofe