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Entrevista | Rodrigo Vellozo fala sobre o “O Mestre-Sala da Minha Saudade”: “Luto inesperado e muito profundo”

Rodrigo Vellozo lançou em agosto o “O Mestre-Sala da Minha Saudade”, que está disponível em todas as plataformas digitais. Com direção de Rômulo Fróes, o projeto nasceu de um sentimento de luto após perda prematura do irmão mais novo e traz uma coletânea de composições autorais.

“O álbum nasce da experiência de um luto inesperado e muito profundo. A perda do meu irmão caçula. Por não saber o que fazer, acabei tendo a ideia de fazer um disco. Meu irmão, em um de nossos últimos papos, me pediu para cantar e sigo buscando formas de fazer isso. Pouco antes, havia conhecido o Romulo Fróes por conta de outros projetos e tive a intuição de que seria importante o convidar para dirigir este trabalho. A parceria nas arte e a amizade acabaram sendo peças fundamentais para a minha sobrevivência nesses tempos de luto, pandemia e tantas dificuldades.”, conta o artista.

O projeto chegou acompanhado de um videoclipe super bem produzido para a faixa-título e que capta a mensagem não só da faixa, mas também do álbum em si. Gravado em um cemitério de carros alegóricos, a ideia para o videoclipe surgiu desde o inicio do processo de produção do disco.

“Desde os primeiros momentos de trabalho, ainda durante o processo de composição das canções, essa figura mítica do mestre-sala criado pelo Romulo na letra da faixa título, foi habitando o nosso imaginário. Durante as gravações, o Romulo teve essa ideia de fazer fotos num lugar sobre o qual ele havia lido que era o cemitério dos carros alegóricos. Um descampado onde restos de alegorias, carros e elementos dos desfiles são colocados depois do desfile (o lugar fica ao lado do sambódromo) e ficam ali debaixo de sol e chuva muitas vezes por anos a fio, quando não são reaproveitados. Era época de pós-carnaval e achei que fosse ser bem difícil conseguir a locação. Fomos pessoalmente a vários barracões de escolas de samba e por sorte conseguimos o apoio da Império da Casa Verde que abriu seu barracão para nós, nos recebendo com muito carinho. Uma verdadeira emoção. O golpe de sorte foi o fato de que o fundo do barracão ser justamente o tal “cemitério” dos carros alegóricos, que o Romulo imaginara inicialmente. Ainda tive a honra de poder vestir um figurino criado pelo genial João Pimenta, com quem já trabalhei no teatro.”, conta.

Com 12 faixas inéditas, o novo projeto de Rodrigo contou com colaborações mais que especiais de Xande de Pilares, Rômulo Froes, com quem escreveu grande parte das faixas, e o grande nome da música brasileira Benito di Paula, o pai do artista. Vellozo explica que por mais que o “O Mestre-Sala da Minha Saudade” seja um disco muito pessoal, as pessoas escolhidas para estarem nele vivenciaram a dor da perda junto do artista.

“É um disco com um tema muito difícil. Muito pessoal. As participações foram de pessoas próximas, artistas amigos que entendiam e vivenciaram em alguma instância a dor junto com a gente. O Romulo por ser o diretor e grande parceiro de criação, Xande por ser amigo da família, quase um irmão para mim e carregar essa força de alegria extrema e meu pai por motivos óbvios. Foi a primeira vez que ele cantou uma canção minha e é o momento mais emblemático da minha carreira, que eu vivo em paralelo com ele. Não gravávamos juntos, só nós dois, desde a minha primeira experiência em estúdio, aos quatro anos de idade, quando participei de uma gravação com ele. Percebo também, agora que a música já saiu, o quanto foi importante para o meu pai essa gravação, no sentido de dar uma camada lírica de significado para a terrível e irreparável dor de pai que ele está enfrentando e sobre a qual ele não fala. Acho que a arte possibilitou um tipo de entendimento que não teríamos de outra forma.”, conta.

Fã declarado, Rodrigo já havia trabalhado com Fróes anteriormente no álbum “Cada Lugar Na Sua Coisa”. “Sou fã do Romulo desde que conheci o trabalho dele há mais de dez anos. No meu disco anterior, “Cada Lugar Na Sua Coisa”, já havia gravado duas canções de seu repertório. Quando nos encontramos para bater um papo, era pra tratar de um projeto para o meu pai que eu estava idealizando. Não podia imaginar a figura tão amável e carinhosa que era o Romulo, dessas pessoas que você quer ter como amigo mesmo. Quando veio a idéia de pensar em um disco, no auge da dor da tragédia, tive uma sensação muito forte de que deveria falar com ele. Falamos, ele topou, veio com a ideia de fazer um disco de inéditas que eu nunca tinha feito antes e começamos a compor. Foi tudo bem rápido e urgente. Eu precisava mesmo colocar essas coisas pra fora.”, fala sobre a parceria.

Filho de um dos nomes mais reconhecidos da música brasileira, o artista trabalha para construir a carreira baseado nas próprias experiências no que o facilita criar a própria trajetória artística, como o teatro. Rodrigo é formado em música erudita e tem como referências Clara Nunes, Elis Regina, Alicia Keys, Janelle Monáe e até mesmo Prokofiev, Beethoven e outros.

“Com o tempo, venho percebendo que ser filho de um artista conhecido traz muitas expectativas tanto da parte do público quanto da imprensa e isso dificulta bastante a construção de uma trajetória individual. O teatro me ajuda muito nisso e é uma referência primordial na minha trajetória artística. Acho que hoje em dia os artistas de teatro são minhas maiores inspirações pela força, resistência e criação. Musicalmente minhas referências são bastante diversas. Nasci no meio da música popular, me formei em música erudita e pude estudar composição nos EUA. Minha referências estão na música brasileira (Elis, Clara Nunes, meu pai, Romulo, Rodrigo Campos entre muitos outros), música pop gringa (Radiohead, Bjork, Moses Sumney, Alicia Keys, Janelle Monáe) e muito jazz, trilhas sonoras e música erudita (Prokofiev, Beethoven, Keith Jarrett, Max Richter entre tantas outras coisas).”, explica.

Embora o “O Mestre-Sala da Minha Saudade” seja um álbum mais pessoal e difícil pro artista, Rodrigo busca levar a mensagem de esperança, olhando a carreira em um contexto mais geral. “Acho que uma mensagem de esperança em meio às dificuldades. Em “Hiato” tem a frase “dentro da dor um farol”. Gosto muito dessa imagem para o meu momento na arte. Não só levar mas também tentar criar alguma esperança.”, conta.

Devido a pandemia, todas as áreas profissionais tiveram que se adaptar ao momento e realizar outros tipos de planejamento. Vellozo conta que o período afetou muito na carreira, mas destaca que está focado em trabalhar o projeto. “Ficamos sem saber o que fazer totalmente. Tinha shows marcados para trabalhar o disco e penso que concretizar o trabalho em cena também era parte de sobrevivência ao luto. Como o disco tem esse caráter urgente e de muitas formas se relaciona com a sensação de dor, de isolamento, de distopia na qual nos encontramos, resolvemos lançar. Com toda a problemática que isso tem. Acho que estamos todos buscando e construindo novas possibilidades de sobreviver. Tenho me dedicado a trabalhar o disco e tenho feito algumas lives em formatos diversos.”, explica.

Rodrigo conta ainda que ao perder o irmão sentiu a necessidade de se distanciar da rotina frenética que tinha e ficar mais com a família. “Por trabalhar com música e teatro, minha rotina é sempre muito frenética. Vivia correndo entre ensaios, viagens e apresentações. Quando perdi meu irmão, senti muito a necessidade de estar em família, em silêncio. Ao mesmo tempo gravei este álbum. Quando a pandemia estourou, estávamos mixando o disco, tínhamos acabado de gravar o clipe da faixa título e estávamos com todo esse material na mão. Minha vida se transformou na rotina de pensar em maneiras de colocar para fora este trabalho, o que também não deixa de ser uma forma de digerir o luto. Habilidades novas eu não consegui desenvolver, infelizmente.”, explica.

Já sobre os próximos meses, Rodrigo não tem muitos planos e conta que não consegue planejar muita coisa devido ao momento. “Essa pergunta eu ainda não sei responder. Vivemos um momento triste em que a vida, a natureza, a empatia, a arte, tantas coisas fundamentais estão em perigo. Não consigo planejar muita coisa além do dia de hoje.”, começa. “Espero conseguir continuar sobrevivendo da arte neste país com circunstâncias tão complexas e instáveis. Busco em mim essa força de resistência.

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Escrita por Otavio Pinheiro