Cantor, compositor e multinstrumentista, Sérgio Britto fez história no rock nacional como integrante do Titãs. O grupo dispensa apresentações, mas vale mencionar: em quase 40 anos de atividade, emplacou dezenas de hits, como “Sonífera Ilha” e “Família”, vendeu mais de seis milhões de álbuns e coleciona um Grammy Latino.
Integrante desde a primeira formação, Sérgio Britto se alterna entre os vocais, o baixo e o teclado e assinou alguns dos sucessos que renderam ao Titãs um espaço no imaginário da população brasileira. Entre eles, estão “Epitáfio”, “Homem Primata” e “Enquanto Houver Sol”.
Ícones do gênero desde os tempos em que long plays eram a forma mais popular de se consumir música, o Titãs lançou um trabalho que acompanha a última tendência dos lançamentos digitais. As 25 faixas do “Trio Acústico” foram fragmentadas em três EPs, cujo primeiro volume já pode ser ouvido nas principais plataformas de streaming.
O Poltrona Vip conversou com Sérgio Britto por telefone sobre o lançamento do novo álbum do Titãs. O artista revelou detalhes do projeto, que nasceu de um pedido dos fãs e já rendeu uma turnê nacional. O músico também dividiu as impressões sobre o cenário atual da indústria fonográfica e comentou sobre o momento do rock no Brasil.
Poltrona Vip: O Titãs está lançando a primeira parte do álbum “Trio Acústico”. Como surgiu a ideia do registro?
Sérgio Britto: Foi surgindo aos poucos. A princípio, a gente fez um show pra comemorar os 20 anos de lançamento do “Acústico MTV”, um pouco tardiamente a pedido dos fãs. Fizemos em alguns teatros no interior de São Paulo e tivemos uma resposta muito boa. O projeto começou a ganhar volume, a gente já fez uma turnê grande, já passou por várias capitais e resolvemos registrar esse projeto até por solicitação dos fãs. Uma coisa foi levando à outra, de maneira espontânea.
PVIP: Vocês são parte de um grupo seleto que pode preencher uma setlist inteira com hits que não podem ficar de fora. Quais foram os critérios de seleção de repertório do trabalho?
SB: Primeiro, a adequação ao formato. Por outro lado, as soluções dos arranjos que a gente conseguiu, as coisas que a gente achou que ficaram bem solucionadas a gente resolveu incluir. Agora, é uma seleção grande, são 25 músicas. Então, foram sucessos que faziam parte daquele disco (Acústico MTV), tem outros que foram gravados depois e também tem músicas que a gente considera marcantes do nosso repertório e que não são exatamente sucessos. Foi um apanhado de tudo isso.
PVIP: Alguma canção especial que você insistiu pra que entrasse?
SB: Pra mim, “Miséria” é uma música que eu achei muito bacana a solução que a gente deu, na verdade, que eu consegui dar porque tem também algumas músicas que a gente fez individualmente. Então, nessa música eu resolvi todo aquele arranjo e chamei um convidado especial pra fazer percussão. O resultado ficou muito interessante. Não concorre com a gravação original, claro, mas é uma outra versão daquela música e eu fiquei com um carinho especial por ela.
PVIP: Você, Branco e Tony se revezam nos vocais e em diversos instrumentos durante o “Trio Acústico”. Como foi o processo de readaptação da sonoridade do Titãs com um integrante a menos?
SB: A gente começou a tocar ensaiando numa sala na casa do Branco, então, a gente fez vários ensaios. A gente já estava com alguma experiência nesse formato porque já tínhamos feito um show chamado “Uma Noite no Teatro”, que a gente tocava umas cinco ou seis músicas dessa maneira, apenas violão, piano e baixo. Depois, a gente fez a ópera-rock, que tem várias músicas que a levada principal é feita com piano, tem algumas com violões também. Então, a gente já tava um pouco ambientado com esse tipo de instrumentação. Partindo disso, começamos a experimentar esses arranjos de maneira despojada, só nós três. Os primeiros shows que a gente fez fomos só nós três mesmo. Depois, a gente resolveu incluir o Mário (Fabre) e o Beto (Lee) numa segunda parte com o show crescendo. Então, foi a base de trabalho que a gente foi chegando em um resultado.
PVIP: O “Trio Acústico” será dividido em três EPs, uma novidade na indústria. Considerando que o Titãs vem de uma época em que a tendência era lançar trabalhos completos, como você enxerga esses lançamentos fragmentados?
SB: É exatamente isso que você falou, é uma maneira de se adaptar a como as pessoas consomem música hoje em dia, que é na imensa maioria nas plataformas digitais. Então, às vezes, você lançar 25 músicas de uma vez não gera o mesmo tipo de atenção que poderia ser dado se você for lançando homeopaticamente. Hoje em dia, na verdade, as pessoas lançam singles, né? E vão acumulando os singles, depois no fim aquilo vira um álbum, um pouco como era nos anos 60 e 50. Agora, a gente resolveu um meio termo, lançar por EPs. Acho até bacana porque as pessoas vão ter tempo, alguns meses pra ouvir essas oito primeiras músicas e depois ir ouvindo as outras na sequência. Acho que tem o lado bacana disso também.
PVIP: E falando em plataformas digitais, só no Spotify, que é consumido majoritariamente por pessoas entre 15 e 24 anos, o Titãs conta com quase 2 milhões de ouvintes mensais. Esse número expressivo numa plataforma de streaming reflete na plateia que acompanham os shows? Vocês percebem alguma renovação no público de vocês?
SB: Não, a gente sempre teve um público bem heterogêneo. Tem pais com filhos, gente jovem, gente mais velha. Mas acho que a grande maioria nesse momento ainda é de gente na faixa dos 30 e poucos, 40 anos, pra cima, acho que o grosso do nosso público ainda é esse. Tem momentos que a gente nota que isso muda. Por exemplo, quando a gente lançou o primeiro acústico, passamos a ter um público adolescente, de meninas histéricas gritando e aquilo foi uma novidade absoluta na nossa carreira. Nesse momento, não é o que tem acontecido. Mas acho que essa coisa da plataforma digital acaba atraindo a curiosidade pela facilidade mesmo de checar uma música, ou a pessoa conhece uma música e acaba ouvindo outras coisas em função disso, então, é uma maneira realmente de renovar o público.
PVIP: Essa coisa que você citou das fãs histéricas foi com certeza influência da MTV, que na época era um braço direito muito importante na divulgação dos artistas do rock. Você considera que a internet cumpre bem esse papel nos dias de hoje ou o espaço em um canal como esse faz falta?
SB: Eu acho que é bem diferente. Porque eu acho que a internet, óbvio que tem aspectos muito positivos, mas tem uma coisa mais imediata e mais ligada ao humor, ao sexo, ao que é muito facilmente consumido e imediatamente consumido. Então, às vezes, o tempo na internet é muito rápido. Não sei se favorece certos tipos de formato ou certos tipos de artista. Mas acho que é uma questão de se adaptar e aprender a usar, né? Aprender a chegar nas pessoas da maneira certa. Também vejo que cada vez mais pessoas de mais idade começam a usar essas plataformas digitais, tipo Spotify. Imagino que com o passar do tempo mais e mais pessoas de mais idade vão usar essas plataformas porque é muito prático. Então, acho que a tendência é isso favorecer a gente também.
PVIP: Parece que a nova tendência da música é a nostalgia. Cada vez mais, vemos artistas dos anos 80 e 90 fazendo comebacks e diversas turnês retrô. Como você enxerga esse movimento? O “Trio Acústico” pega um pouco de carona nesse momento?
SB: Não diria carona, mas você revisar sua carreira quando você tem uma carreira longa é uma coisa quase que normal. Repaginar músicas que você já toca há muito tempo, colocar músicas que não são tão conhecidas no teu repertório porque você quer chamar atenção pra elas, isso faz parte de qualquer artista que tem uma carreira longa. Essa coisa da nostalgia também tem um apelo, óbvio, porque são músicas que fizeram parte da vida das pessoas em momentos importantes. Então, também é algo que acho natural que aconteça. No nosso caso, isso sempre vem acompanhado de uma tentativa de renovação, de mostrar isso de uma maneira diferente e de trabalhos inéditos. Há menos de dois anos, a gente lançou uma ópera-rock com 25 músicas inéditas e, que eu saiba, é uma empreitada inédita para uma banda brasileira. Então, a gente sempre procura dosar essas duas coisas.
PVIP: Quando vocês lançam um álbum com 25 faixas inéditas, como é a recepção do público ao material inédito? Vocês conseguem trabalhar bem os lançamentos nas setlist dos shows?
SB: A gente sempre coloca umas cinco músicas do último trabalho na turnê, pelo menos. No caso da ópera-rock, tiveram algumas dificuldades. É um formato que vai na contramão do que tem acontecido no business, na maneira como se divulga música. 25 músicas que contam uma história, então, uma de certa forma depende da outra, uma enriquece a outra, o bom é que se ouça tudo na sequência, que se conheça a história. Esse formato é difícil de encaixar no jeito que as coisas estão acontecendo hoje em dia. Então, a gente pretendia fazer uma turnê pelo Brasil tocando a ópera-rock inteira e não conseguiu até porque também é um projeto mais caro, do ponto de vista financeiro. Porque a gente levava cantoras, contrarregras, cenário, dois paineis de LED. Tudo isso acabou inviabilizando esse projeto. Mas ficou um registro bacana aí em áudio e vídeo.
PVIP: Existe também um clichê muito chato de que o rock morreu, né? Inclusive, deve ser uma afirmação que você não deve mais aguentar ouvir…
SB: (risos) É que tudo morre, né? O samba já tinha morrido, hoje em dia ninguém mais fala isso. Isso tudo é relativo, primeiro que gêneros assim hoje em dia acabam se mesclando muito, um fazendo parte do outro. Uma coisa que é fácil de constatar é que não tem artistas de rock fazendo tanto sucesso como antigamente, especialmente, se você falar de bandas jovens, embora tenha muita gente fazendo rock por aí. Mas eu acho que esse canal pra fazer sucesso, atingir a grande mídia, tá mais difícil hoje em dia pro rock do que já esteve em outros momentos. Mas acho que nada morre, as coisas vão se renovando, mudando de lugar.
PVIP: Não existem mais canais abertos aos artistas de rock, mas eles estão aí e tem muita gente nova e boa também. Que tipo de canais ou espaços você recomenda pra quem busca conhecer artistas bons da nova geração do rock?
SB: Eu, por exemplo, andei tocando muito com bandas locais, fazendo shows onde eu cantava covers, músicas que eu gosto e toquei com muitos músicos jovens e que têm banda. Acho que todos estão sentindo muito falta disso. Apesar de toda a história da internet, parece que também existe uma disposição menor do público em descobrir e prestar atenção em coisas novas. É um quadro geral, mas tem muita gente fazendo sim, o que tem é pouco espaço até pra música autoral, músicas novas que a pessoa pare pra ouvir. Tem uma certa acomodação em ouvir sempre os sucessos novamente ou se não, uma coisa ligada a um vídeo, que tem um apelo mais imediato. A gente tá vivendo esse momento, infelizmente, mas eu acho que tem que procurar maneiras de burlar isso aí. Com certeza, tem muita banda legal espalhada pelo Brasil.
PVIP: Essa pode ser a desvantagem das plataformas digitais, né? Porque parece muito democrático, mas é tudo tão fácil que deixa com as pessoas com preguiça de garimpar mais fundo…
SB: Exato. Você acaba aceitando o que vem pré-programado, né? É isso, é um certo comodismo também de ouvir o que você já ouvia antes, de aceitar a playlist que vem proposta pra você, e por aí vai. Eu acho que essas plataformas têm esse ponto negativo realmente.
PVIP: O “Trio Acústico” conta ainda com mais 2 EPs que serão lançados em breve. Pode adiantar alguma coisa dos próximos volumes?
SB: A gente resolveu deixar as músicas que a gente gravou nos outros EPs em segredo pra ser uma surpresa pras pessoas. É mais ou menos o mesmo pensamento. A gente colocou em cada EP um pouco de tudo que tem no projeto. Tem algumas coisas que a gente faz solo, tem músicas que são grandes sucessos, que são emblemáticas e importantes na nossa carreira, isso tudo dosado nas oito músicas de cada EP.