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“Tempo”: novo suspense de M. Night Shyamalan assusta, sensibiliza e emociona | Crítica

“A infância é medida por sons, aromas e cenas, antes de surgir a hora sombria da razão”. Isto quem disse foi John Betjeman, poeta inglês do século XX, ao refletir sobre a inevitável passagem do tempo, onde a transição da infância para a vida adulta acontece. Trajeto este, assinalado por características tão peculiares de cada fase, marcantes e visíveis como ritos de passagem.

A reflexão, feita há muitos anos, serve hoje para ilustrar e categorizar um pouco do que se trata o filme “Tempo” que estreia hoje, 29 de julho, nos cinemas. Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, diretor veterano aclamado por obras icônicas como “O sexto sentido” (1999), “Corpo fechado” (2000) e “Fragmentado” (2016), o novo longa de suspense exibe a capacidade do cineasta de trabalhar com temas sensíveis de forma inteligente e criativa, sempre questionando valores e comportamentos humanos que, neste caso, são de tom indiferente perante a sua vulnerabilidade em face do poder do tempo.  

O roteiro acompanha um casal que tira férias com os filhos e vão se aventurar numa praia exclusiva e mais isolada. Durante o passeio, logo após se estabelecerem no local, coisas bizarras começam a acontecer e a família percebe que de uma forma inexplicável ali o tempo corre de forma anormal, aprisionando-os num processo surreal de envelhecimento.

Assim como na famosa frase de Betjeman, “Tempo” além de dialogar sobre o trauma da perda da inocência seguida do encontro estranho com a razão, também sintetiza a dor e o desconforto causado pela percepção de um tempo que passou e que continua correndo aceleradamente. A trama traz uma reflexão intensa sobre como o tempo pode ser poderoso e impetuoso, seguindo seu caminho de forma ágil e despercebida. Isso tudo é demonstrado a partir do colapso mental dos personagens, que precisam com urgência reavaliar suas visões de mundo e prioridades para conseguir lidar com constantes transições existenciais.

A maneira como o enredo se constrói visualmente é eficiente. São sequências bem organizadas que introduzem de forma acelerada momentos específicos do ciclo da vida, como o nascimento, a evolução do pensamento infantil para o raciocínio intenso e subjetivo da adolescência, o casamento, o desenvolvimento de uma doença, a cura, a morte, o luto, tudo isso em cenas de tirar o fôlego que disparam sem intervalos, levando o espectador a se sentir tão ansioso e desconcertado com a realidade quanto os próprios personagens. Isso também acontece porque os conflitos apresentados são de fácil identificação e aceitação.  Às vezes tão humanos que em certos momentos beiram o clichê, mas que não deixam de ser reais. É impossível não compartilhar do mesmo sentimento já que a briga contra o tempo é um dilema universal.

Graças a sua sensibilidade, Shyamalan soube ambientar muito bem a sua história, a presença da natureza na obra foi crucial. A imponência do mar e das grandes rochas, por exemplo, é de total relevância, pois ela contrasta com a vulnerabilidade humana e dá ênfase aos seus limites. Esse conceito da fragilidade do homem diante das armadilhas do tempo também é muito bem sustentado pelo elenco. Apesar de algumas trocas de atores, os que permanecem mais tempo fazem um bom trabalho, valendo destaque especial para Alex Wolff, mais conhecido pelo seu papel em “Hereditário” (2018).  É importante sublinhar que em “Tempo” seu personagem age de maneira diferente de minuto para minuto por estar submetido a uma constante mudança cognitiva. Isso exige que o ator consiga dançar o ritmo do roteiro, o que Wolff faz muito bem.  

Outros filmes ainda atuais também trabalharam com emoção as questões dos ciclos da vida, da passagem do tempo e da reflexão sobre determinados valores, grandes obras como “Relíquia Macabra” (2020) e “Meu pai” (2020). Mas apesar disso, o projeto de Shyamalan é desenvolvido num retrato original. A obra possui sim diversos defeitos, mas a potência da mensagem que carrega compensa de um jeito que não se faz necessário falar de outra coisa a não ser o que já foi dito. “Tempo” é um filme dramático que brinca com o suspense e obriga o espectador a refletir sobre o valor da vida. Então, quando for ao cinema, não se esqueça da máscara e também dos lencinhos, porque você irá se emocionar.

Assista o trailer:

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