Mulheres de cinzas, primeiro livro da trilogia “As areias do imperador”, do autor moçambicano Mia Couto, vencedor do Prêmio Camões, em 2013 (o mais importante da língua portuguesa), tem como pano de fundo a guerra colonial entre Portugal e Moçambique. É um romance histórico, que se passa no final do século XIX, quando o sul do país era conhecido como Estado de Gaza, segundo maior império comandando por um africano.
Imersos na guerra, têm-se dois narradores-personagens: a jovem nativa Imani e o sargento português Germano de Melo, mandado ao vilarejo para lutar contra o imperador Ngungunyane (ou Gungunhane, como era chamado pelos portugueses). Imani é da tribo dos VaChopi, uma das poucas tribos que se pôs contra o imperador, apoiando, assim, a colonização portuguesa e, como aprendera a língua dos colonizadores, a jovem, então, se tornou intérprete do sargento.
O livro é narrado sob dois pontos de vista, o de Imani e o do sargento Germano de Melo, por meio de suas cartas, em que ele não só relata suas ações militares, como também suas emoções e sentimentos, além de opiniões pessoais sobre a guerra. Mulheres de cinzas é um livro de fronteiras, pois toda guerra impõe fronteiras, mas também existe a fronteira do corpo, do corpo feminino.
Logo no início Imani revela a origem do seu nome; seu nome não é um nome: Imani significa “quem é?”; foi essa indagação que lhe deram como nome, como se ela fosse “uma sombra sem corpo, a eterna espera de uma resposta”. Em Nkokolani, diz-se, que o nome de um filho é dado ainda no ventre da mãe, quando algum antepassado sopra o nome antes de a criança nascer, no primeiro momento o nome de Imani foi Layeluane, que fora sussurrado por sua avó paterna, mas o pai da jovem, como era tradição, vai a um adivinho, que não confirma a autenticidade do batismo. Em seguida, vai à adivinha da família, tia Rosi, que diz: “No caso dessa menina não é o nome que está errado; a vida dela é que precisa ser acertada.” O pai, então desiste de suas incumbências. A esposa que resolvesse os problemas da filha. A mãe, então batiza a criança de “Cinza”, nome que ninguém entendeu e que durou pouco tempo, pois as duas filhas mais velhas morrem e Imani fica conhecida como “a Viva”, que também não era um nome e sim o modo de não dizer que as outras duas filhas estavam mortas.
Imani e o sargento se envolvem cada vez mais, mesmo o mundo deles sendo tão diferentes, e vivem um romance improvável. Ela, mulher, vive num país (no mundo) em que ser do sexo feminino traz mais privações que liberdade e tem como única saída passar despercebida numa guerra feita por homens. Essa falta de identidade, esse nome que não é um nome, a língua que lhe foi imposta, a assimilação a uma cultura que não era dela, a impulsiona para o desconhecido, ou ao que acha ser possível dentro de um mundo submerso pela maldade humana.
Mia Couto mistura história, mito e magia para narrar os horrores da guerra com uma linguagem muito poética, característica marcada do autor, como se ele quisesse nos reconfortar de alguma maneira, como se dentro desses horrores, ele nos devolvesse o humano.
Por: Caíque Gomez