“Wicked”, o fenômeno musical que consagrou Idina Menzel e Kristin Chenoweth como Elphaba e Glinda, respectivamente, estreou na Broadway no 2º semestre de 2003, após algumas prévias apresentadas em maio do mesmo ano, em São Francisco. Em 2016, a mesma montagem chegou ao Brasil para o deslumbramento de fãs que já eram apaixonados pela história e para o encantamento de um público desavisado que teve seu primeiro contato com a obra escrita por Winnie Holzman (roteiro) e Stephen Schwartz (letras e músicas).
Após uma temporada de sucesso absoluto – que durou de março à dezembro de 2016, no Teatro Renault – o Instituto Artium de Cultura, junto ao Atelier de Cultura, traz de volta ao Brasil uma versão totalmente repaginada deste clássico. Para alegria do público mais saudosista, o texto e as letras das músicas para a língua portuguesa de Mariana Elizabetsky e Victor Mühlethaler – dupla retentora do Prêmio Bibi Ferreira de Melhor Versão Brasileira pelo musical “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate” – foram preservadas. As protagonistas da montagem anterior também reprisam seus papéis, mas as semelhanças terminam aí.
“Wicked, a história não contada das bruxas de Oz” se inicia antes mesmo da caminhada de Dorothy pela conhecida estrada de tijolos amarelos e sua busca incansável pelo Mágico. Nela, descobrimos como os caminhos de Glinda, a bruxa boa do Norte e Elphaba, a bruxa má do Oeste se cruzaram e como o poder da amizade que nasce desse encontro é transformador e definitivo para ambas.
Vânia Pajares assina a direção musical do espetáculo e, com a batuta em mãos, volta ao seu posto de maestrina – que também ocupou em 2016. É sempre um espetáculo à parte vê-la regendo a orquestra com tanto envolvimento. Sem dúvida alguma fica evidenciado o cuidado e profissionalismo que ela tem pelo trabalho, realizado com tanto primor.
Fabi Bang retorna ao papel de Glinda e se mantém impecável. A atriz, que também protagonizou grandes musicais como “Cinderella” e “A Pequena Sereia”, continua arrancando gargalhadas do público com seu timing irretocável para a comédia. Isso pode ser facilmente evidenciado na cena em que ela tenta popularizar sua mais nova amiga, Elphie, durante a execução de “popular”. A amizade que as atrizes mantiveram fora dos palcos desde a primeira montagem de “Wicked” evidencia ainda mais essa naturalidade de ambas, tornando toda essa experiência mais crível. Fabi está segura e confortável como nunca em seu papel e é assertiva em tudo – tanto no canto, quanto na dança e atuação. Além disso, a complexa evolução da personagem se faz notória no decorrer da história. Enquanto no início temos uma Glinda egoísta e gananciosa, capaz de fazer qualquer coisa por seus próprios interesses, ao nos aproximarmos do fim podemos observar uma personagem completamente modificada pelo poder da amizade construída com sua colega de quarto.
Myra Ruiz, que em 2016 ganhou o título de Elphaba mais jovem do mundo, evoluiu e melhorou notavelmente. A maturidade adquirida com os anos trouxe mais determinação e segurança à sua personagem e, após uma temporada surpreendente e cheia de desafios em “Evita Open Air” – onde interpretou Eva Péron – ela retorna aos palcos alcançando notas dificílimas com uma facilidade espantosa. Como prometido pelo Atelier de Cultura, o voo da bruxa má do oeste é esplêndido. Com luzes que trazem a dramaticidade que o momento pede, Myra é suspensa pelo ar montada numa vassoura – como nas imagens que povoam nossa mente ao pensarmos em bruxas de outras histórias – e , conforme a música vai crescendo, ela vai ganhando altura até se lançar sobre a plateia enquanto entoa a clássica “Desafiando a Gravidade”. É assim que o primeiro ato se encerra. Quando o intervalo de 15 minutos é anunciado e as luzes da plateia se acendem, a expressão de incredulidade do público permanece estampada em seus rostos, que lutam para acreditar no que seus olhos acabaram de ver. De fato, é o ponto máximo do musical.
Tiago Barbosa, que retornou ao Brasil para interpretar Milton Nascimento no musical “Clube da Esquina – Os sonhos não envelhecem”, empresta seu talento ao rebelde e carismático Fiyero. O ator ficou conhecido ao emocionar a banca quando audicionou para o papel de Simba, no musical “O Rei Leão” – trabalho que lhe rendeu o Prêmio Bibi Ferreira de Revelação em Musicais, em 2014. Após atuar em outros musicais como “Mudança de Hábito” e de passar um tempo na Europa, onde teve a chance de repetir o sucesso como o jovem leão e de protagonizar o musical “Kinky Boots”, Tiago está de volta e segue encantando a plateia com seu tom de voz único e seu talento inegável em cena.
Dante Paccola, que atuou em musicais como “A Família Addams”, “Chaves, um tributo musical” e “Ney Matogrosso – Homem com H”, segue nos entregando uma arte cada vez mais esmerada. Dessa vez, ele interpreta Boq, um mero munchkin apaixonado por Glinda, que após arquitetar um plano ardiloso, acaba fazendo com que ele fique com Nessarose, irmã mais nova de Elphaba. Nesse papel, Dante continua brilhante nos momentos de comédia e surpreende muito positivamente nos momentos mais dramáticos. Sua nova roupagem é maravilhosa e a cena em que seu personagem se transforma no Homem de Lata é admirável. A irmã da bruxa verde é interpretada por Nayara Venancio, que arrancou elogios do público nos musicais “Hadassa” e “Rua Azuza”. O canto da atriz é inquestionavelmente sedutor e sua movimentação corporal é igualmente memorável. Nayara costuma ser aplaudida demoradamente pelo público ao executar seu solo “a bruxa má do leste”, no segundo ato.
Após sua estreia no mundo dos musicais, em “Barnum, o rei do show”, – trabalho que lhe garantiu a indicação de Revelação em Musicais do Prêmio Bibi Ferreira – Diva Menner não parou mais. Quando encerrou suas apresentações em “Elas Brilham – Doc Musical”, a atriz integrou o elenco de “Wicked” e ficou responsável por interpretar a maquiavélica Madame Morible. Com uma caracterização elegante e caprichosa, Diva passeia confortavelmente nesse papel antagônico. Seu olhar capcioso e sua postura suntuosa são alinhados harmoniosamente para convencer a audiência de sua vilania. Junto à Madame Morrible, temos o Mágico de Oz, charlatão e manipulador, divertidamente interpretado por Marcelo Médici. O ator que já está habituado com esse gênero cumpre seu papel com maestria.
Os atores que formam o ensemble construíram seus personagens com muito cuidado e personalidade. Dificilmente o olhar do espectador vai conseguir ignorar os trejeitos de cada um deles. Do momento em que seus pés encontram o palco ao momento em que o deixam, eles estão entregues e fazem questão de se manterem assim. Meu olhar não conseguiu deixar de admirar a desenvoltura e precisão nos movimentos do ator Murilo Ohl durante as cenas de dança. Sua execução e a certeza em cada pisada são impressionantes. Aline Serra, que faz dupla com ele em vários momentos, construiu com perfeição uma personagem cheia de maldade – a típica adolescente responsável por fazer bullying com as minorias. Éri Correia e suas personagens são divertidíssimas. Percebemos da plateia como ela está entregue a essa experiência e como essa construção é levada a sério. É admirável perceber como a atriz está imersa nesse universo esmeralda. Mari Rosinski, que também cumpre o papel de assistente da Madame Morrible, é deslumbrante. O movimento do seu figurino somado às suas expressões faciais e maquiagem dramática são, sem dúvida nenhuma, um deleite. Pâmela Rossini também encanta e diverte a audiência se revezando entre uma mulher grávida e uma excêntrica docente de Shiz. Quando Renan Rosiq surge imponente e rodeado de luzes no palco, é praticamente impossível não ter o olhar direcionado instantaneamente em sua direção. O ator é responsável por interpretar algo que se assemelha a um robô do Mágico de Oz. Seu trabalho corporal é primoroso e ele ainda entrega um olhar assustadoramente hipnotizante.
Vários fatores podem ser atribuídos para justificar o sucesso estrondoso que esse musical tem desde a sua estreia, 20 anos atrás. Vânia Pajares acredita que ele vem do tema central dessa história, que é a amizade entre duas mulheres fortes. A maestrina acha que a identificação do público vem justamente daí. Para além de um amor não correspondido, ou de efeitos especiais espalhafatosos, a essência da história nos cativa por ser tão humana. Nayara Venancio diz que ele fala sobre questões e críticas sociais ainda muito presentes na nossa vida e que “Wicked” aborda tudo isso de um jeito muito especial. Tiago Barbosa, que além de elogiar as canções e letras tão poderosas, também acredita na atemporalidade do texto e na forma jovial com que ele aborda tantos assuntos, como o preconceito sofrido por uma pessoa verde que é constantemente repelida pela sociedade, sobre política e uma figura de autoridade manipuladora, como o amor e a família.
O Atelier de Cultura, junto ao diretor geral John Stefaniuk e com a aprovação de Stephen Schwarts – que veio ao Brasil para conferir tudo pessoalmente – fez um trabalho digno de aplausos. Os cenários foram totalmente reinventados e estão repletos de novidades impactantes, assim como os figurinos e efeitos especiais trazidos exclusivamente para essa montagem. O espetáculo, que faz morada no coração apaixonado de um público fiel e responsável pela compra de mais de 40 mil ingressos, antes mesmo da data de estreia, é um fenômeno mundial e essa nova adaptação vai surpreender e encantar ainda mais.
O elenco é composto por Myra Ruiz, Fabi Bang, Tiago Barbosa, Marcelo Médici, Diva Menner, Cleto Baccic, Nayara Venancio, Dante Paccola, Bia Castro, Pâmela Rossini, Aline Serra, Verônica Goeldi, Amanda Döring, Mari Rosinski, Éri Correia, Cláudia Rosa, Giselle Alfano, Larissa Grajauskas, Gabi Germano, Mariana Montenegro, Murilo Ohl, Paulo Grossi, Renan Rosiq, Robson Kabelo, Marco Azevedo, Bruno Ospedal, Diego Velloso, Danilo Santana, Alicio Zimmermann e Danilo Martho. Os swings são Vinicius Cafer, Rafá Barbosa, Tiago Dias, Moira Osório e Amanda Bamonte.
“Wicked, a história não contada das bruxas de Oz” está em cartaz no Teatro Santander, até o dia 23 de julho, de quinta à domingo às 19:30, e sábados e domingos também às 15:00. Os ingressos, que variam entre R$25,00 e R$400,00, podem ser adquiridos no site da Sympla ou na bilheteria do próprio teatro.
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