Na semana do Halloween, comemorado no próximo sábado, dia 31, a Poltrona Vip está fazendo uma série de textos, analisando e relembrando alguns clássicos modernos do terror. Depois das franquias “Pânico” e “Atividade Paranormal” e do fenômeno “Corra!“, hoje é dia da série “American Horror Story“.
Criada em 2011 pelo criativo Ryan Murphy, “AHS” tem, até agora nove temporadas de sucesso, muitos personagens mortos e uma legião de fãs. A série segue até hoje um formato antológico, em que cada ano conta uma história fechada diferente da anterior. O produtor tem como hábito, no entanto inserir pequenas conexões entre as tramas por meio de participações de personagens conhecidos da mitologia da produção. Aqui, Ryan colocava à prova a capacidade do público de se manter fiel às tramas, cheias de qualidade técnica e narrativa, mas também de incômodo visual e cenas que invocam a sensação de repulsa.
Depois de criar “Nip/Tuck” e o smash hit “Glee“, Murphy apresentou ao canal estadunidense FX a ideia de contar uma história de terror, gênero até então não explorado por ele. Ao lado de Brad Falchuk, seu frequente colaborador, ele criou a história da família Harmon, que se muda para uma belíssima casa assombrada pelos espíritos do muitos mortos naquele lugar. Muito da mitologia da série foi estabelecida nessa primeira temporada, chamada pelos fãs de “Murder House“. O conceito dos espíritos presos aos lugares onde morreram, já utilizado por Stephen King em seus livros, foi o quem mais deu as caras.
A casa, que funcionava quase que como um personagem à parte, tinha a violência como fundação. Desde sua construção teve assassinatos e tragédia como base e com a entrada dos Harmon não foi diferente. A família, formada pelo trio Ben (Dylan McDermott), Vivien (Connie Britton) e Violet (Taissa Farmiga), já tinha traumas em seu histórico: depressão, adultério e aborto, mas nada que não pudesse piorar com a mudança para a nova vizinhança. A alma da primeira temporada de “American Horror Story“, no entanto, estava na relação entre Moira (Frances Conroy) e Constance (Jessica Lange), magistralmente atuada com todo o ressentimento e rancor entre as duas.
A repercussão foi enorme, tanto em audiência quanto em aclamação do público e dos críticos. Além do choque com o fim da história, que o espectadores, até então, acreditavam que teria um final feliz, mas terminou com uma trama fechada em um final não muito positivo para os protagonistas. “AHS” foi indicada a 17 Emmys, mais que qualquer outra produção naquele ano, e venceu dois, incluindo melhor atriz coadjuvante para Jessica Lange. O gênero do horror, que até então não era muito popular na TV estadunidense, começou a ganhar mais destaque com o sucesso da série, com outros projetos como “Penny Dreadful“, “Hemlock Grove” e “Motel Bates“.
Na segunda temporada, com a mudança de cenário para o hospital psiquiátrico Briarcliff, com o nome de “American Horror Story: Asylum” (2012). Na trama, situada em 1964, o serial killer Bloody Face é internado no sanatório. A repórter Lana Walker (Sarah Paulson) chega para entrevistar a freira que chefia a instituição, Irmã Jude (Lange), mas sua verdadeira intenção é chegar ao assassino. Ryan usou todo o ambiente de terror para tratar da perseguição a LGBTs. Lana, personagem lésbica, é internada contra sua vontade ao ter sua sexualidade descoberta. Ela é torturada, estuprada e obrigada a passar por uma terapia de conversão sexual. Infelizmente a história não era inteiramente fictícia, gays e lésbicas eram submetidos a esse tipo de tratamento no século passado e, até a década de 90 a OMS tinha a homossexualidade em sua lista de doenças. Apesar do primeiro ano cheio de qualidades, foi aqui que “AHS” se firmou como a potência que é, com uma temporada que ia fundo no desenvolvimento dos personagens e na psicologia de suas motivações.
Em 2013, a série se afastou um pouco desses assuntos mais sérios e entregou sua temporada mais pop até então com “American Horror Story: Coven“. A trama que acompanha um clã de bruxas em Nova Orleans, contou, pela primeira vez, com as presenças de Kathy Bates, Angela Basset e Emma Roberts em seu já extenso elenco. Com feiticeiras egoístas, irônicas, debochadas e muita vezes sem nenhum senso de coletivo, tudo isso refletindo na imagem decadente da suprema Fiona Goode (Lange), Murphy e Falchuk criaram o capítulo mais controverso de AHS. Toques de necromancia, voodoo, viagens ao inferno e até ressurreição deram o tom a uma temporada cheia de personagens falhas e uma trama um tanto quanto inconsistente, apesar de muito amada pelos fãs.
Uma coisa que “AHS” sempre fez muito bem foi levar diversidade para as telinhas. O ápice disso veio em “American Horror Story: Freak Show” (2014). O ano mais dramático da série veio com um tema, assim como em “Asylum“, voltado para problemas sociais, explorando uma trama com um circo de horrores na década de 50, ano marcante pela decadência desse tipo de entretenimento nos EUA. Neste ano, o grande tema foi o senso de pertencimento a aceitação desses personagens, até então marginalizados pela sociedade, tudo acompanhado pelo olhar das gêmeas siamesas Bette e Dot (Sarah Paulson), novatas nesse universo. O horror, aqui com doses muito sanguinolentas, veio pelas mãos do psicopata Dandy (Finn Wittrock), que trouxe fim a vários dos amados freaks vistos ao longo de uma temporada marcada pela melancolia.
O quinto ano da série, chamado de “American Horror Story: Hotel“, foi o primeiro sem a presença de Jessica Lange. Murphy logo tratou de substituir sua estrela por outra tão brilhante quanto: Lady Gaga no icônico papel da Condessa, que lhe rendeu o Globo de Ouro de melhor atriz em série de drama. A temporada, passada num hotel decadente no centro de Los Angeles, teve de volta à trama os fantasmas, presos às paredes do estabelecimento, cruel desde sua concepção pelo maníaco James Patrick March (Evan Peters), e a adição de vampiros, aparecendo pela primeira vez na franquia. O grande tema tratado pelo showrunner, no entanto, foi vício. A Sally de Sarah Paulson, o Donovan de Matt Bomer e o Tristan de Finn Wittrock todos viciados em drogas, o criador do hotel Cortez, James, viciado ao ato de assassinar, e o próprio demônio do vício, se todos os outros personagens não deixaram claro um tema comum entre eles.
No ano seguinte veio “American Horror Story: Roanoke“. A primeira com um formato totalmente diferente, metalinguístico e inovador. Na primeira parte da temporada a trama é como se fosse um programa documental sobre os dias de um casal vivendo em uma casa afastada na Georgia. Os personagens de Lily Rabe, André Holland e Adina Porter davam os depoimentos e atores vividos por Sarah Paulson, Cuba Gooding Jr e Angela Basset faziam a dramatização dos personagens. Com os elementos de horror vindos da antiga premissa de espíritos presos ao ambiente em que foram mortos, a temporada mudou de rumos no sexto episódio, quando o que se viu foi um reality colocando os personagens de todos os citados acima nessa região assombrada. A temporada foi uma grande quebra de paradigmas narrativos para a série, provocando de modo totalmente diferente o pensamento de seus espectadores.
Já em “AHS: Cult” que, confesso, é a temporada que menos gosto, a série buscou na vida real os rumos que tomaria para sua trama. Falando sobre toda a sensação de divisão e medo nas minorias causadas pela eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA. Abrindo mão de elementos sobrenaturais, a história passou a focar na existência de cultos extremistas gerando medo na população de pequenas cidades estadunidenses. Usando como inspiração a imagem de palhaços, como os extremistas se fantasiavam, e o notório assassino Charles Manson, Murphy trabalhou manipulando os medos e fobias de seus personagens até que eles chegassem a seu ponto de virada buscando vingança depois de toda a histeria coletiva.
No oitavo ano, “American Horror Story: Apocalypse“, os criadores da série se renderam a um pedido antigo dos fãs e consumaram uma temporada de crossovers entre “Murder House” e “Coven“, usando um tradicional vilão das religiões judaico-cristãs, o Anticristo. No ano seguinte, em “AHS: 1984“, a equipe apostou mais uma vez na sensação de nostalgia, com uma trama que muito remetia à conhecida história da franquia “Sexta-feira 13” em uma ambientação no acampamento Redwood. O final da temporada veio com uma reinvenção no conceito das final girls dos filmes slasher, trazendo também o conhecido conceito de espíritos presos ao acampamento depois de serem assassinados por Mr. Jingles (John Carroll Lynch).
“American Horror Story” cresceu diante do público com uma mitologia própria ao longo nove temporadas, que estão disponíveis no Amazon Prime Video e no Globoplay. Passando por diversos subgêneros do horror e do terror, Ryan Murphy e Brad Falchuk continuam desafiando as convenções do gênero com histórias envolventes e personagens cativantes. A série antológica já foi renovada para mais quatro anos e deve estrear sua décima temporada, com tema ainda não anunciado, em 2021.