Lançada ano passado, a primeira temporada de “The Boys” fez sucesso na Amazon Prime Video com seu tom irreverente, violência, nudez e sexo despudorados e uma visão ultra-realista de como funcionaria um mundo com super-heróis. Tudo isso brincando com as convenções do gênero e parodiando muito do que o público se acostumou a ver em produções da Marvel e da DC.
Com o final chocante da temporada passada, a pergunta que pairava no ar era como os produtores e roteiristas conseguiriam manter o alto nível da série e continuar surpreendendo o público como fizeram no primeiro ano? A resposta veio logo no primeiro episódio dessa nova leva. Se o carisma dos personagens já não fosse o suficiente, a criatividade dos roteiristas trasbordava na tela. Eles não têm medo de matar personagens importantes nem de dar grandes mudanças ao rumo dos supes e dos humanos desse universo sem que eles percam a própria essência.
A trama da nova temporada começou com os The Boys foragidos da justiça, procurados pelos Seven. Escondidos num porão com a ajuda de um grupo criminoso haitiano, Hughie (Jack Quaid), Mother’s Milk (Laz Alonso), Frenchie (Tomer Capon) e Kimiko (Karen Fukuhara) tentam se reorganizar para sobreviver sem Billy Butcher (Karl Urban), que estava desaparecido após os eventos do fim da primeira temporada. Já na torre, Starlight (Erin Moriarty) tenta lutar contra a Vought por dentro, enquanto Homelander (Antony Starr) se concentra para assumir o controle total com a morte de Madelyn Stillwell (Elisabeth Shue). Ele vê seu reinado ameaçado com a chegada de Stormfront (Aya Cash), uma supe especialista em mídia social, que tem seus próprios modos de agir. Além disso, a ameaça dos supervilões toma o centro das atenções da mídia e faz barulho enquanto a empresa tenta monetizar em cima da paranoia da nação.
O roteiristas tiveram como grande trunfo a história geral de “The Boys“. Ao não se apoiar unicamente em momentos chocantes e realmente tirar tempo para caminhar com calma pelos dramas de cada personagem, a série conseguiu fazer com que o público conseguisse criar vínculos com eles. Claro que o tom ácido e sarcástico característico da produção continuava lá dando as caras. Os momentos chocantes não faltaram na temporada, cabeças explodindo, baleias empaladas, as atitudes desconcertantes do Capitão Pátria, mas todos sendo utilizados para levar a trama para seu objetivo final, não gratuitamente.
O showrunner Erick Kripke soube muito bem como desenvolver e evoluir a maior parte do núcleo principal de personagens. Ao longo da temporada o produtor escolheu dedicar storylines a personagens que não tiveram o mesmo destaque no ano anterior. Frenchie, por exemplo, teve um episódio com cenas de flashbacks que o fez cair ainda mais nas graças do público. A trama de Kimiko e seu irmão é outra que merece destaque, assim como a atuação de sua intérprete. Fukuhara consegue transmitir sentimentos de perda, frustração, dor, e também toda a doçura e vulnerabilidade de sua personagem sem falar nem mesmo uma palavra em toda a trama. Também foi refrescante conhecer um pouco mais do passado de Butcher, conhecer melhor suas motivações e dar ainda mais profundidade a um personagem tão sisudo.
Do lado da Vought, os grandes destaques ficam para Homelander, sempre bem utilizado pelos roteiristas e aqui ganhando algumas camadas de vulnerabilidade. A paternidade do personagem trouxe à tona um lado menos assustador, mostrou que ele consegue não ser tão egocêntrico ao mostrar genuína preocupação com seu filho, ainda que deixando o público preocupado pela segurança de Ryan (Cameron Cravetti). Maeve (Dominique McElligot) foi outra que ganhou mais destaque, sua relação com Elena foi melhor explorada e a heroína finalmente mostrou a que veio – principalmente em uma mudança de conduta extremamente satisfatória no último episódio da temporada. Já a chegada de Stormfront veio para sacudir as estruturas da torre. Vindo de forma misteriosa, Tempesta chegou sem cerimônias trazendo consigo um enredo altamente relevante para os tempos em que vivemos e abalando personagens de quase todos os núcleos.
Infelizmente nem tudo são flores, “The Boys” trouxe algumas inconsistências em seu roteiro e situações que são no mínimo muita coincidência. Alguns personagens como Alastair (Goran Visnijc) entraram e saíram sem muita relevância e outros que não justificaram sua importância na trama e seguem servindo mais como participação de luxo que como objetos para realmente mobilizar a história como é o caso de The Deep (Chace Crawford). Mas é muito pouco comparado com a genialidade das mentes por trás da produção da Amazon.
No fim, independência parece ser o grande tema da temporada: Hughie, Butcher, Homelander, Starlight, Maeve todos tiveram evoluções nesse sentido. A liberdade em finalmente poder liderar uma missão, dar as cartas da própria vida, conhecer e saber lidar com o ambiente em que está inserido, em poder ser quem é sem medo, finalmente poder dar as cartas do jogo. Todo esse amadurecimento era necessário nas jornadas em que eles estavam desde a primeira temporada e foi conduzido de forma magistral pela equipe de produção.
“The Boys” segue agora para a já anunciada terceira temporada – também terá uma série derivada – e já tem a adição de Jensen Ackles (Supernatural) no elenco. O segundo ano da série é um dos maiores sucessos do ano e seu formato de lançamento semanal foi elogiado por ter ganchos cativantes e se manter relevante nas redes sociais e em engajamento com o público. Tudo isso é fruto de uma leva de episódios de qualidade técnica e narrativa que traz o que as HQs de Garth Ennis têm de melhor.
As duas temporadas de “The Boys” estão disponíveis no catálogo do Amazon Prime Video. Confira o trailer do segundo ano abaixo: